Um dos 620 "loteamentos fantasma" que a crise deixou desocupados ou inacabados pelo país fora.

O medo do vírus irlandês

Apesar de os mercados continuarem a comprar obrigações do Estado, os parceiros da Irlanda receiam que a crise trave a retoma na Europa. No entanto, recorda o Süddeutsche Zeitung, a UE sempre defendeu a ideia absurda do crescimento a qualquer preço.

Publicado em 23 Setembro 2010 às 16:06
Um dos 620 "loteamentos fantasma" que a crise deixou desocupados ou inacabados pelo país fora.

Nos tempos que correm, os nervos estão à flor da pele em Dublin. Para começar, no decorrer de uma entrevista, em que compareceu visivelmente com falta de sono o chefe do Governo conservador, Brian Cowen, murmurou coisas incompreensíveis sobre as próximas medidas de austeridade. As dúvidas sobre a sua capacidade para gerir a crise estão a aumentar. Em seguida, as especulações sobre um incumprimento da Irlanda chegaram rapidamente aos mercados financeiros – uma mistura perigosa de crise económica e política.

Hoje, os investidores apressam-se corajosamente a participar no leilão de obrigações de Estado, um balão de oxigénio para o Governo. Contudo, Dublin tem de pagar juros elevados. Aos rumores sobre o eventual afastamento de Cowen, visivelmente esgotado, vêm juntar-se algumas especulações sobre a falência da república insular. O desequilíbrio financeiro deste membro da zona euro coloca a moeda única sob pressão. Receia-se cada vez mais que a Irlanda se transforme numa segunda Grécia, o que poderia comprometer a estabilização e a retoma na zona euro.

Dezenas de milhares de edifícios vazios

Continua a não se saber quanto custa ao Estado o saneamento dos bancos afetados, em especial o Anglo Irish Bank, para o qual a única alternativa é ser liquidado. Esta instituição, que apostou no cavalo errado com os créditos imobiliários, representa um sorvedouro de biliões. A Irlanda já comprometeu cerca de 20% do total da sua produção de riqueza em garantias e em ajudas ao setor financeiro. Em paralelo, no ano passado, o novo endividamento atingiu os 14,3% do produto interno bruto – um triste recorde na zona euro. E, este ano, o défice vai novamente ultrapassar em muito o limiar de 3% imposto pela UE.

Na origem desta desgraça estão os maus investimentos colossais dos bancos irlandeses no mercado imobiliário. Na República da Irlanda, que tem 4,5 milhões de habitantes, há dezenas de milhares de edifícios vazios. Os proprietários irlandeses lamentam-se sob o fardo de um forte endividamento privado, que representa em média 175% do rendimento disponível por família. É superior ao dos Estados Unidos, onde a percentagem é de 145%.

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Milhares de subvenções distribuídas às cegas

Contudo, estes problemas não são apenas de ordem nacional. O modelo de crescimento irlandês, que assentava num mercado de capitais praticamente sem regulamentação, associado a vantagens fiscais sem concorrência para os bancos e para as empresas, foi muito apreciado por Bruxelas durante bastante tempo.

Subsídios de vários biliões contribuíram para dissimular desfasamentos, como o que existe entre o desenvolvimento económico desenfreado de Dublin e as regiões agrícolas mais pobres. O tão louvado tigre celta está, há muito, infetado por um vírus temível, chamado crescimento a qualquer custo. A crise financeira internacional acabou por provocar a implosão do projeto irlandês.

Hoje, Bruxelas e os parceiros da zona euro apontam o dedo à Irlanda. Os irlandeses, dizem, deviam cair em si e começar a poupar seriamente. Na verdade, o problema não é só irlandês: é europeu, e vai muito além da disciplina orçamental e do respeito pelos critérios do Pacto de Estabilidade. A zona euro não teve o cuidado de desenvolver um modelo económico consistente para os países da sua periferia. Esse modelo deveria incluir uma política comum no domínio da fiscalidade das empresas e, também, o fim das subvenções distribuídas às cegas. Sem isso, irão formar-se novas bolhas, que acabarão por rebentar.

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