Notícias Negociações comerciais UE-EUA

O negócio do século

As negociações comerciais UE-EUA, que começaram em Washington em 8 de julho, poderiam conduzir a economias no valor de dezenas de milhares de milhões de euros e eliminar alguma burocracia desnecessária. Mas a desconfiança gerada pelo recente escândalo das escutas por parte dos EUA é apenas o primeiro de muitos obstáculos a vencer.

Publicado em 8 Julho 2013 às 15:38

Washington DC não é uma cidade com falta de burocratas. Esta semana, estarão ali ainda mais do que habitualmente. A capital norte-americana vai acolher a primeira ronda de negociações comerciais bilaterais entre os Estados Unidos e a União Europeia, um conjunto abrangente de conversações com o objetivo final de reduzir os entraves a que os dois blocos económicos façam negócios um com o outro.

Em termos gerais, as duas partes tentarão eliminar os direitos de importação cobrados sobre mercadorias transacionadas entre os dois gigantes económicos. Esforçar-se-ão também por reduzir a burocracia, para que as empresas internacionais possam expandir-se mais facilmente.

Por si só, a dimensão da relação comercial dos Estados Unidos com a Europa significa que até as melhorias insignificantes terão um grande impacto sobre as economias dos dois lados do Atlântico.

Num momento em que a Europa enfrenta mais um ano de estagnação e a preocupação obsessiva dos economistas com a influência crescente das economias emergentes, como as da China, Índia e Brasil, a relação comercial entre os EUA e a UE continua a ser a maior do mundo.

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Reino terá de se manter em jogo

Nos primeiros nove meses de 2012, foram transacionadas entre as duas superpotências económicas mercadorias no valor de mais de 485 mil milhões de dólares (€338 mil milhões). As discussões que se iniciam em Washington [em 8 de julho] – formalmente designadas como Parceria Transatlântica em matéria de Comércio e Investimento (TTIP) – deverão criar um bloco comercial que abrangerá quase metade da produção económica mundial. Este poderá representar um valor adicional anual de cerca de €116 mil milhões, para a economia de UE, perto de €93 mil milhões, para os EUA, e perto de 99 mil milhões, para o resto do mundo.

As conversações são igualmente uma das principais razões agora apresentadas para o Reino Unido continuar a ser membro da União Europeia.

Claro que o Reino Unido ainda não saiu da UE, mas, com referendo ou sem ele, o país terá que se manter em jogo por mais algum tempo, se quiser ajudar a influenciar as negociações da TTIP. Os Estados Unidos declararam que pretendem utilizar a atual dinâmica do G8 para alcançar um acordo comercial bilateral “gastando apenas um depósito de combustível”. No entanto, até os otimistas apostam em que as conversações durarão uns bons 18 meses. Outros especulam que será muito mais realista falar em mais de três anos.

Algumas nuvens políticas pairam já sobre a discussão da TTIP. Existe uma desconfiança crescente entre os Estados-membros da UE e os EUA, na sequência de alegações de que os Estados Unidos e o Reino Unido espiaram os seus aliados no decorrer de negociações anteriores.

As conversações prosseguem, como estava planeado, mas as tensões aumentam. Perto de 120 representantes das equipas comerciais dos EUA e da UE vão reunir-se, dividindo-se depois em cerca de dez grupos. Os delegados, todos eles especialistas em áreas diferentes, vão discutir tudo – desde os ingredientes que será obrigatório indicar nas embalagens dos cremes antienvelhecimento, a se um advogado que fez o curso em Londres poderá trabalhar em Nova Iorque com essas mesmas qualificações.

A questão dos direitos de importação

Deveriam os negociadores partir da premissa de que todos os direitos pautais foram abolidos e decidir depois quais seriam “reintroduzidos”? Ou deveriam avaliar os impostos sobre a importação, setor a setor? Estes vão ainda estudar quais os aspetos burocráticos que podem ser resolvidos rapidamente e quais serão objeto de discussões prolongadas e potencialmente difíceis.

Um dos pontos mais simples da agenda é a questão dos direitos de importação. Os direitos pautais entre os EUA e a UE são relativamente baixos, segundo os padrões mundiais – uma média de 5,2% para as mercadorias para a UE e 3,5% para as mercadorias que entram nos EUA –, mas, por si só, o volume do comércio entre os dois blocos económicos significa que qualquer redução gerará economias significativas.

“Muitas empresas britânicas já têm negócios com os EUA, o nosso maior mercado de exportação, mas liberalizar os direitos pautais poderá poupar às empresas do Reino Unido cerca de mil milhões de libras por ano”, declara o cônsul geral britânico em Nova Iorque, Danny Lopez, cuja principal tarefa é ajudar as companhias britânicas a expandirem-se nos Estados Unidos e vice-versa.

Os Estados Unidos penalizam especialmente os têxteis, vestuário e calçado importados da UE, por exemplo, impondo-lhes direitos pautais de 40%, 32% e 56%, respetivamente. Existem também impostos surpreendentes sobre mercadorias destinadas a mercados específicos, por exemplo a louça de mesa cerâmica para hotéis e restaurantes. Os importadores têm que pagar cerca de 28% do preço de custo em impostos, apenas para introduzir essas mercadorias nos Estados Unidos.

A UE também cobra 350% de direitos sobre o tabaco, para ajudar a cobrir os custos de tratamento dos danos que este causa à saúde daqueles que o utilizam e para assegurar que o preço seja suficientemente elevado para dissuadir muitos potenciais fumadores de adquirir o vício. Prevê-se que os Estados Unidos peçam a redução desses impostos, o que dificilmente virá a obter aprovação popular na Europa.

Regras burocráticas entre UE e EUA

Em muitos aspetos, a tarefa mais delicada da TTIP dirá respeito aos complicados meandros da burocracia. As discrepâncias em matéria de regras burocráticas entre a UE e os EUA custam anualmente às empresas milhares e milhares de milhões de libras em perdas de receitas e estima-se que privem o Reino Unido de cerca de oito mil milhões de libras [mais de nove mil milhões de euros] em comércio.

Na indústria automóvel, por exemplo, os fabricantes são obrigados a fazer os seus veículos embater duas vezes contra paredes, a grande velocidade, para serem aprovados em testes de segurança quase idênticos.

Por outro lado, o setor dos cosméticos tem que criar dois conjuntos diferentes de rótulos para as mercadorias que serão vendidas na Europa e nos EUA, porque os reguladores norte-americanos não aceitam o termo “aqua”.

Também passará a ser mais fácil advogados, contabilistas e alguns outros profissionais viajar entre os dois blocos, em vez de ficarem amarrados àquele em relação ao qual receberam formação. Esta alteração não traria apenas benefícios económicos: abriria ainda percursos profissionais e estilos de vida completamente diferentes para milhões de indivíduos.

Estas regras podem parecer anacrónicas, mas, em muitos aspetos, elas simbolizam as dificuldades que as discussões sobre a TTIP deverão encontrar. Por influência de poderosos grupos de pressão de alguns setores, que frequentemente se opõem a qualquer mudança suscetível de trazer consigo uma concorrência mais aguerrida de atores internacionais, tem sido permitido que algumas leis antiquadas permaneçam intocadas.

Visto da Polónia

Nascimento de um gigante

A criação de uma zona de comércio livre entre a UE e os Estados Unidos poderá, nos próximos anos, mudar a geografia política e económica, escreve Marek Magierowski em Do Rzeczy. Marcará não apenas o “fim das barreiras pautais como também a introdução de regulamentos e normas comuns em todos os setores”, adianta, acrescentando que

a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) é, sem dúvida alguma, a iniciativa mais ambiciosa desde a criação da Organização Mundial do Comércio em 1995.

O instituto londrino Centre for Economic Policy Research publicou um estudo que sugere que a TTIP será extremamente benéfica para ambos os lados: 119 mil milhões de dólares (€92,7 mil milhões) de receitas adicionais para a União Europeia e 95 mil milhões de dólares para os Estados Unidos. As exportações europeias para os Estados Unidos aumentarão 28%. O projeto também terá “um enorme impacto político” e poderá reforçar a posição global em declínio da Europa e da América.

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