Uma lixeira na cidade de Rzeszów, no sudeste da Polónia.

Resíduos acabam nas lixeiras

Parece que a Polónia vai finalmente ser obrigada a limpar o seu país. Criticada pela União Europeia, esta deverá converter-se à religião dos três “R”, isto é, à redução, reutilização e reciclagem de resíduos.

Publicado em 4 Abril 2013 às 11:29
Uma lixeira na cidade de Rzeszów, no sudeste da Polónia.

Este ano, a limpeza de primavera veio com uma controvérsia à volta dos resíduos. Juntamente com dez outros países, a Polónia foi fortemente criticada pela UE pela sua falta de organização, limpeza urbana e recolha de resíduos.

O que levanta uma questão que, embora seja natural e talvez urgente, raramente é colocada. Será realmente necessário produzir tanto lixo? Ou, de uma perspetiva ligeiramente diferente: será que a civilização moderna está obcecada por coisas que acabarão eventualmente por destruí-la?

O homem dos dias de hoje armazena em casa comida embrulhada em plástico e garrafas de água, embora tenha acesso a água canalizada. Na maioria das vezes, armazenam em excesso, porque o produto estava com desconto, em liquidação, ou ficava mais barato do que comprar à unidade, ou simplesmente porque as coisas boas fazem sempre falta.

Os nossos pais e avós compraram a sua primeira televisão com a garantia de que esta duraria toda a vida, enquanto a primeira geração de telemóveis foi estimada para durar dez anos. Os tablets que se compram hoje ficam desatualizados mal saem da loja.

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Os investigadores chamam ao homem ocidental contemporâneo “consumidor de coisas inovadoras”. Consideram o progresso realizado pela Polónia nas últimas duas décadas uma “imitação da modernização”. Todos nós sempre quisemos e acumulámos coisas; a transição da Polónia para o capitalismo significa apenas uma nova, e bem mais intensa, versão americana do desejo material.

Enquanto nação, os polacos continuam afetados pela síndrome do materialismo crescente: comprar, deitar fora, comprar novamente, barato, tão barato que seria uma pena não comprar.

Nação suja

“Na Polónia, a cultura materialista foi comprometida por défices recorrentes, pelo que os objetos funcionais nunca perderam o seu valor prático”, diz Wlodzimierz Pessel, professor de Antropologia Cultural na Universidade de Varsóvia, especializado em “residuologia” (estudo científico de resíduos), tendo já realizado investigações na Polónia e na Escandinávia.

A predileção dos polacos pela coleção de objetos insignificantes, estes tendem a preservar coisas e nunca deitar nada fora, resulta, segundo Pessel, de uma longa tradição de soluções improvisadas e de habitações temporárias, uma experiencia vivida por milhões de polacos, expulsos, forçados a reinstalarem-se em novas regiões, expropriados durante séculos. A história da Polónia é uma história de reconstruções frágeis e temporárias.

Religião aplicada por uma entidade oficial

A redução, reutilização e reciclagem dos resíduos é uma religião oficial na parte ocidental da UE. Uma religião aplicada de forma muito rigorosa. Se colocarmos o lixo na rua à hora errada ou resíduos de vidro num contentor amarelo (plástico), somos multados. Somos moralmente perseguidos e estigmatizados. Promovem a limpeza e a ordem, construindo locais saudáveis e giros – pistas de esqui, plataformas de observação, cafés confortáveis – à volta de instalações de incineração ultramodernas e lixeiras fechadas há muito.

Na Europa ocidental, os pontos de recolha onde os equipamentos elétricos e eletrónicos são reciclados encontram-se praticamente cercados por todo o tipo de barreiras para impedir as pessoas de colocar um item na categoria errada. Na Polónia, estas barreiras servem para impedir roubos.

Na Alemanha, cerca de metade da totalidade dos resíduos são reciclados. No entanto, estes tencionam atingir os 75 por cento num futuro próximo. Na Polónia, a taxa de reciclagem varia entre os 5 e os 10 por cento, registando o valor mais baixo dos países da UE, à exceção da Roménia e da Letónia.

Consumidores inabaláveis

Será que a religião “R” substituirá os valores do capitalismo, a doutrina que defende a produção contínua, a substituição de bens por algo dito melhor? A substituição de coisas duradouras por outras menos duradouras? Os maiores intelectuais da atualidade interrogam-se sobre o futuro de um mundo preocupado com a reciclagem em massa de resíduos continuamente produzidos. A maioria acredita que o capitalismo é indestrutível e o que distingue o chamado período de pós modernidade é o facto de este não ter fim.

Mas ao promover a religião dos três “R” o capitalismo atual não fica numa situação de desvantagem. Também não o faz com o intuito de proteger a natureza. Como diziam: “meter a mão no lixo, pode também trazer benefícios”. Os noruegueses calcularam que as receitas geradas pela reciclagem de quatro toneladas de resíduos equivalem a uma tonelada de petróleo. E é uma política pela qual se vão reger durante muito tempo. Os resíduos não são apenas subprodutos da civilização, representam também um enorme negócio que não para de crescer, onde se ganha dinheiro produzindo e reciclando produtos com pouco valor.

Os regulamentos colocados em vigor na Polónia vão criar uma onda de revolta. Pagar mais por algo que se deita fora é no mínimo chocante. Estes deverão parar de descarregar montanhas de lixo durante a noite em florestas ou rios vizinhos e passar a desenvolver e implementar com sucesso uma solução regional – um objetivo quase utópico. Juntemos a isto o ritual diário de separar e colocar os resíduos nos contentores corretos – e estamos definitivamente perante uma mudança radical de toda uma mentalidade.

Esperemos que esta revolução materialista permita propulsar a Polónia, um jovem país consumidor, para um nível acima – menos agressivo e negligente. Chegou provavelmente a hora de colocarmos as mãos no nosso próprio lixo.

Visto de Bucareste

Velhos objetos, uma história de amor

O problema da reciclagem dos resíduos “abala toda a Europa de Leste”, e principalmente a Roménia, constata o Money Express. A revista económica cita um estudo de 2010 que revela que “os frigoríficos, as televisões, os aspiradores ou até mesmo as lâmpadas que deixam de funcionar tornam-se objetos com os quais continuamos a manter uma ligação”:

Além das pessoas não saberem o que fazer com eles quando avariam, os programas de incentivo das empresas responsáveis pela recolha de resíduos, que oferecem descontos em compras quando é devolvido um objeto partido, foram bruscamente interrompidos em 2010.

No entanto, realça a revista, a reciclagem entra agora no quadro das obrigações europeias. Em 2012, a UE publicou uma diretiva que introduziu novas normas de recolha de REEE (resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos) e estabeleceu uma taxa de recolha de 45% por ano para o período 2016-2019. “Os países-membros dispõem de 18 meses para a introduzir na sua própria legislação, ficando sujeitos a sanções que podem atingir os €200 mil por dia”, realça o Money Express.

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