Depois da Áustria, a Alemanha. Dez anos após o seu lançamento, o processo de Bolonha – o ideal de um espaço universitário europeu – é contestado desde o início das aulas. Pela primeira vez desde a época revolucionária dos anos 60 e 70, estudantes, dirigentes estudantis e professores fazem uma frente comum, assinala o Süddeutsche Zeitung.
Os estudantes, explica o diário de Munique, são submetidos a "estudos ultra-regulamentados", em que se torna impossível preencher as lacunas culturais criadas no liceu. Os professores sujeitam-se a uma "servidão à eficácia" que os põe ao serviço de classificações internacionais para as quais têm de fazer investigação, publicar tanto quanto possível e "desperdiçar imensas capacidades em termos de ensino e pesquisa" em prol da obtenção de financiamentos.
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Para o Süddeutsche Zeitung, o movimento é inteiramente justificado, ainda que "os estudantes misturem política de educação e política social. […] Os protestos contra o pagamento de propinas – aliás muito moderadas, na Alemanha, em relação a outros países – são um erro."
"Os estudantes não têm unicamente objectivos racionais ("Pais ricos para todos")", acrescenta o Tageszeitung de Berlim. "Revoltam-se contra reformas há muito ultrapassadas: reformas que radicam em concepções de educação que datam do século XIX. A licenciatura remete para a ideia de que todos os que vão para a faculdade querem ou têm de tornar-se professores. É, pois, justo dividir os estudos em etapas, para os tornar ‘estudáveis’.”
Fazer um curso requer esforços
O diário alternativo reconhece, contudo, que "os estudantes agem com um conceito elevado de ensino”, segundo o qual “a educação deve ser desinteressada e servir unicamente para o desenvolvimento da personalidade. É uma particularidade alemã, refugiar-se em concepções românticas – e não aceitar um ideal de educação pouco democrático."
Ora o número de estudantes atingiu valores recordes. Este ano, constata o Süddeutsche Zeitung, inscreveram-se no primeiro semestre 423.000 estudantes: "o maior valor de sempre". Representa 43,3% dos jovens alemães.
Do ponto de vista económico, esta evolução torna o processo de Bolonha indispensável, insiste o Handelsblatt.. "Ninguém se atreve a dizer aos estudantes que estudar foi sempre cansativo. Como era dantes? As massas estudantis perdiam tempo porque eram abandonadas à sua sorte". O diário económico admite que a organização dos cursos é demasiado estrita, mas que o encurtamento do tempo de estudo e a flexibilidade introduzidos por Bolonha são ideias com futuro.
Era necessário, observaJürgen Kaube [director editorial e especialista em Educação] no Frankfurter Allgemeine Zeitung, que os governantes percebessem do assunto. A ministra alemã da Educação, Anette Schavan, “conhece as universidades? Sabe que os professores que foram atraídos para a investigação por 'programas de excelência’ saem do ensino com as mesmas habilitações? Terá ouvido falar do facto de que ‘Bolonha' desmoraliza o comportamento dos estudantes, porque, um pouco por toda a parte, apela a atitudes meramente tácticas para obter as notas que são necessárias? Que o prazer de estudar diminui, porque não se vê senão um percurso de obstáculos?” E “sabe que, em Oxford ou Zurique, se partem a rir quando alguém quer fazer valer o seu direito a entrar para estudos superiores com uma licenciatura alemã?"
Então Bolonha é uma reforma neoliberal? Pelo contrário, assegura o sociólogo Armin Nassehi, no FAZ: "Sente-se-lhe o cheiro a enxofre dos planos quinquenais socialistas. Como na economia planificada do Bloco de Leste, onde se calculava a colheita de cenouras dos próximos 5 anos até à última, o novo ideal de cursos universitários parece ser um percurso completamente controlado". Nassehi considera que os estudantes teriam todo o interesse em reivindicar uma reforma verdadeiramente liberal, que lhes permitiria desenvolver trajectos individualizados de estudo. Porque na Europa, conclui, nem tudo deve ser normalizado.
Manifestação de estudantes em Berlim. No cartaz :"Os meus estudos pertencem-me". (AFP)

Um sabor de fundo de ensino à bolonhesa
A reforma europeia dos cursos universitários agita regularmente as cidades universitárias. Há algumas semanas que os estudantes alemães vêm pondo em causa currículos demasiado densos e condições inaceitáveis. E o debate sobre a pertinência do “processo de Bolonha” enche os jornais do país.
Publicado em 26 Novembro 2009

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