A hora da introspecção. Imagem: © Veliano_2/Flickr

Uma cura amarga mas necessária

Sob vigilância dos inspectores da UE, actualmente em Atenas, o Governo grego põe em prática a política de austeridade económica e social. Questionar o conjunto da sociedade só pode ser salutar, garante o economista Georges Pagoulatos.

Publicado em 24 Fevereiro 2010 às 17:21
A hora da introspecção. Imagem: © Veliano_2/Flickr

No fundo, somos uma sociedade fundamentalmente conservadora, apesar de votarmos maioritariamente no centro-esquerda. Escondemo-nos automaticamente atrás dos “adquiridos” sem nos preocuparmos com o modo como foram adquiridos. Apoiamos as injustiças como se de justiças se tratassem. Legalizamos como “vacas sagradas” os subsídios [como os prémios sobre os salários] e as prestações de serviços completamente grotescas, pagas por ministros de pacotilha para “comprar” a colaboração do pessoal. Estamos, apesar do nosso conservadorismo, sempre prontos a reclamar e a protestar. A negociação é, para nós, uma submissão, o compromisso, uma vergonha. Não nos sabemos concentrar, raramente reformamos.

A palavra “direito” domina o nosso vocabulário e voltamo-nos, em primeiro lugar, contra o Estado. Mas o “Estado de Direito” não nos é familiar, é-nos quase desconhecido. Quando falamos de Estado, referimo-nos, habitualmente, a nepotismo. Os nossos sindicatos, em nome do direito, defendem com paixão as conquistas que não se referem a competências reais ou a um rendimento produtivo e, muito menos, a um potencial da nossa economia.

Ruptura do contrato social

Ao longo do tempo, o nosso sistema foi-se baseando num contrato social não escrito: as massas toleram a corrupção de quem está a um nível mais alto e esses toleram a pequena corrupção das massas. Esta regra, imposta pela cabeça do Estado, serviu de desculpa para o laxismo da base que desregulou a sociedade e manteve uma frágil elite urbana. Era um contrato social de tolerância mútua… e uma cumplicidade recíproca. Hoje, o contrato rompeu-se, não há dinheiro para o financiar.

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O nosso conservadorismo espalha-se por todo o lado. Os ministros elaboram o Orçamento de Estado inspirando-se nos anteriores, engordando os números onde puderam. Não pedem fundos para financiar acções específicas, orçamentadas, como se faz em qualquer país sério. Pedem primeiro os fundos e arranjam as acções depois. É por esta razão que, hoje, o novo Governo [eleito em Outubro de 2009] está chocado com a descoberta de cadáveres deixados pelo anterior, como o desperdício de dinheiros públicos com amigos, clientes e circunscrições.

Somos muito críticos, mas não suportamos a crítica. Apressamo-nos a culpar os outros, ainda mais quando isso nos pode salvar a pele. Mas não culpemos a Europa pela nossa situação económica. Também não é por causa dos mercados que chegámos a este ponto. Sim, a crise económica internacional tem um papel essencial e leva à ganância dos bancos de investimento internacional, a manobras de especuladores e ao egoísmo das elites. Mas não é esta a nossa crise, apesar dos abutres que são os mercados internacionais rondarem Atenas. A crise greganão é uma criação do mercado ou da União Europeia, ainda que tenha desencadeado uma verdadeira inquietação na Europa.

É tudo culpa nossa, um puro produto do nosso sistema político, dos nossos sindicatos, de uma classe parasitária de negócios, de clientelas e de operações fraudulentas. Os consumidores gregos vivem num sonho de crianças: carros de luxo, telemóveis de última geração, fazem esqui na estância mais in do país, passam o Verão em Mykonos, e declaram apenas 20 mil euros de rendimento anual. Reforma aos 50 anos. É um produto fora de alcance para a complacência da nossa sociedade.

O céu desabou-nos em cima da cabeça com esta crise. A crise desvendou problemas, destruiu alucinações, revelou a verdade brutal escondida sob as aparências. Pôs-nos cara a cara com as nossas responsabilidades. Se fingirmos que não se passa nada, seremos esmagados pela próxima tempestade. Mas se partilharmos os sacrifícios e soubermos lidar com eles, poderemos transformar esta situação catastrófica e fazer fluir o optimismo.

Indignação

Os alemães não têm autoridade para dar lições

Os que deixaram a Europa em sangue ousam falar? Essa é boa!”, insurge-se o editorialista Konstantin Rumeliotis, no Eleftherotypia, respondendo às reservas manifestadas pela Alemanha na aceitação de um plano de auxílio europeu à Grécia. “Pilharam a Grécia durante a II Guerra Mundial e, agora, a vossa imprensa põe a Vénus de Milo a fazer um manguito na capa de uma revista de grande tiragem [Focus]? Para lá do mau gosto, é completamente deslocado! Nunca devolveram os 70 mil milhões de euros roubados à Grécia e, agora que estamos com problemas, recusam-se a apoiar-nos, quando têm aqui investimentos alemães florescentes? Um pouco de seriedade, senhora Merkel! Não esqueçamos o passado. Não é altura para se manifestar."

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