Os dois monumentos a Bento (Baruch) de Espinosa em Amesterdão dificilmente podiam ser mais diferentes: a estátua maciça perto da Câmara Municipal, de Nicolas Dings, e a construção de madeira interactiva no Bijlmer [um subúrbio multicultural de Amesterdão], do artista Thomas Hirshhorn. Hoje, todos adoram Espinosa.
Espinosa também se viu envolvido no debate sobre imigração e a sociedade multicultural após o 11 de Setembro de 2001 e o assassínio de Theo van Gogh. Teve por fulcro duas das suas ideias essenciais: a tolerância e a liberdade de expressão. Durante esta discussão, uns diziam que a liberdade de expressão era posta em perigo por uma tolerância excessiva no que diz respeito aos muçulmanos. E a resposta da esquerda era que os neoconservadores abusavam da liberdade de opinião para minar o valor básico que constitui a tolerância. Foi um diálogo de surdos e não realmente uma revalorização das ideias de Espinosa.
A maneira como Espinosa (1632-1677) ressurge é impressionante. O pensador britânico George Steiner contou, no ano passado, como tinha procurado em vão monumentos a Espinosa nos Países Baixos. Ninguém soube indicar-lhos. Ficou absolutamente abismado pela indiferença dos neerlandeses para com o seu maior filósofo. O escritor macedónio Goce Smilevski ficou igualmente chocado. Os jovens a quem pediu informações sobre Espinosa, responderam-lhe: “Nunca ouvi falar”. O seu conselho foi: invistam no ensino da filosofia nas escolas neerlandesas!
Estas críticas já não são completamente justificadas. O monumento a Espinosa de Dings foi inaugurado em Novembro de 2008, a casa de Espinosa foi restaurada, há colóquios por todo o país. E desde o início de Maio, a cidade de Amesterdão organiza um festival artístico, "My name is Spinoza" [O Meu Nome é Espinosa].
Jonathan Israel [professor inglês, tradutor de Espinosa] deu um bom impulso ao filósofo. Em dois formidáveis estudos intitulados “Radical Enlightenment” [Luzes Radicais], mostrou a importância da influência de Espinosa como precursor dos pensadores radicais das Luzes. A liberdade de pensamento ocupa o lugar cimeiro na nossa cultura e os nossos imigrantes muçulmanos também devem ser convencidos a aceitá-la, a fim de conservar a liberdade actual da nossa sociedade, argumenta Israel com ardor.
Segundo John Gray, o popular pensador não-conformista inglês, estas interpretações de Israel em relação à sociedade actual são completamente subjectivas e não tem o direito de envolver Espinosa nelas. Gray critica “o fundamentalismo do mercado” e a arrogância dogmática dos neoconservadores. Na sua opinião, o argumento político de Israel tem demasiado a ver com a protecção de valores ocidentais considerados superiores aos outros.
Seja como for, em Espinosa, todos se revêem. Isso teria agradado a Espinosa? Há um lado triste nas citações do pensamento de um filósofo por tudo e por nada. Sobretudo quando se trata de um filósofo que apela sobretudo a um exercício cerebral que consiste em deixar vaguear o pensamento com total liberdade. O dogma não assenta bem aos livres-pensadores.
Em contrapartida, a ode artística a Espinosa no festival “My name is Spinoza” foi uma aposta mais conseguida, como se pode ver no Mediamatic Bank de Amesterdão. Nesta sala com ar de ocupação selvagem, cada um é convidado a exprimir-se livremente, escrevendo a giz em quadros negros onde se inscrevem perguntas como: “Que ideias são perigosas ao ponto de valer mais não as tornar públicas?” Uma das respostas: “As minhas”. Esta abordagem espontânea de Espinosa é uma lufada de ar fresco no meio das discussões opressivas e sem saída sobre a nossa “identidade” e as nossas “normas e valores nacionais”.