Ilustração: Henning Studte

O chato

Na Alemanha, chamam-lhes "caga-corintos" e em Espanha, "contadores de grão-de-bico". Esta semana, Torre de Babel dedica-se a todos os chatos do continente...

Publicado em 24 Novembro 2009 às 16:03
Ilustração: Henning Studte

Quando, cedendo a uma mania tão vã como estéril, alguém à nossa volta se obstina, imoderadamente, em querer medir tudo ao pormenor, em inventariar meticulosamente o que vai encontrando no caminho ou em fazer um levantamento, ponto por ponto, com um rigor inquisitorial, até à mais ínfima insignificância, seja lá do que for, e que, para além disso, obriga os que o rodeiam, perto ou longe, a suportar os dissabores da sua irresistível obsessão, podemos, sem constrangimentos, baptizar esse atleta da chateza com o suave epíteto alemão de ‘korinthenkacker', literalmente, o “caga-corintos”

É indubitavelmente um merdas! Mas porquê de uvas de Corinto? Nada que ponha minimamente em causa a reputação dos habitantes da venerável cidade grega, a referência deve-se apenas às deliciosas passas que se utilizam por vezes em pastelaria. É que, sentado diante de uma dessas iguarias, antes de lhe meter o dente e passar resolutamente ao que importa, um verdadeiro “korinthenkacker” é capaz de passar um dia inteiro a inventariar, um após outro, os pequenos frutos secos contidos no seu bolo, não vá faltar algum. Os franceses, aumentando o nível de achincalhamento, chamam-lhe “enculeur de mouches”. É ao escritor Louis Ferdinand Céline que se deve a popularidade da expressão – à letra, enrabador de moscas.

Países Baixos preferem moscas

Nos Países Baixos, são outros os insectos que o espírito de entomologista sodomita se compraz a atormentar. Talvez seja melhor não chamar ao nosso chato “mierenneuker”. Perante a mortal insinuação de ter cometido o pecado da formigação, a reacção pode ser de arrancar os cabelinhos e contá-los um a um, antes de entregar a alma ao Criador.

Já o português “capador de grilos”, talvez pela componente aparentemente mais tecnológica, cai melhor. E só se corre o risco de retaliação – e contagem – em zona rural e em determinadas estações do ano. Enfim, dá para deixar o chato entregue à bicharada.

Já o chato polaco é dado a contar seixos espalhados no jardim. No entanto, quando excede os limites do suportável, faz-se constar que, o tempo que ele gasta com miudezas dava folgadamente para fabricar uma escultura com o conteúdo da retrete.

Menos escatológico e mais ao Sul, o minucioso picuínhas italiano não tem descanso antes de ter encontrado um cabelo no ovo, como diz a expressão “cercare ele pelo nell' uovo”. Por seu turno, o espanhol conta grão-de-bico, o que o aproxima singularmente dessoutro germânico, o “erbsenzähler”, o contador de pequenas ervilhas – juntem-se, boa sorte e desamparem a loja!

Do lado dos ingleses, embora esta atitude mesquinha seja objecto de grande indulgência, o chato continua a ressentir-se de uma certa impopularidade. Todos se afastam de um apanhador de piolhos, um “nitpicker”, irmão do nosso familiar chato – e passemos por cima de se apanha ou é apanhado, que não estamos aqui com picuinhices!

Em numerosas línguas europeias, atribui-se ao chato a capacidade, a vontade e a mestria de cortar cabelos em quatro. “Um pintelho”, diz o brasileiro – mas se calhar houve algo que se perdeu na tradução, na travessia do Atlântico.

Neye Yang

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