Moderação do Presseurop

Publicado em 20 Dezembro 2013 às 12:27

A participação dos leitores é uma parte essencial da missão do Presseurop para encorajar o debate sobre os assuntos que dizem respeito à Europa.

Na Internet, a maneira mais simples de envolver “as pessoas antigamente conhecidas como a audiência” é abrir os artigos a comentários. A qualidade da subsequente discussão, famosamente variável, será influenciada pela boa vontade dos participantes e pela natureza técnica do foro, mas também pelo moderador.

Este artigo discute algumas das opções feitas no Presseurop.eu.

Rumo a um foro de discussão dos leitores

Houve sempre confusão sobre o propósito dos comentários dos utilizadores nos sítios de notícias na Internet. Originalmente, parecem ter sido concebidos como “cartas ao diretor”, com o único objetivo de fornecerem informação complementar sobre o artigo em questão. Só mais tarde os donos dos sítios decidiram que a discussão entre comentadores podia ser um objetivo legítimo em si mesmo.

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Há uma tensão entre estes dois objetivos, tanto no Presseurop como noutros sítios.

  • “informação complementar” implica uma moderação ativa e encorajamento a testemunhos de experiência pessoal e de visão especializada, e destina-se ao benefício dos leitores não-participantes (um exemplo clássico é o da BBC News)

  • “discussão” significa facilitar o livre intercâmbio de opiniões, e tem como objetivo permitir aos participantes e aos não-participantes mudarem o seu ponto de vista à luz da perspetiva dos outros (um exemplo clássico é o Reddit e inúmeros outros fóruns semelhantes).

No início do projeto Presseurop, favorecemos claramente o primeiro objetivo. Mas muito rapidamente os comentadores começaram a responder tanto uns aos outros como aos próprios artigos. Dada a missão do Presseurop, houve evidentemente a possibilidade de passarmos para o segundo objetivo através da construção de uma plataforma de discussão única. E foi exatamente isso que fizemos, lançando uma integração parcial dos comentários nos sítios das diferentes línguas (2010), citando as notificações de resposta (2011), integração multilingue completa (2011) e, finalmente, traduzindo automaticamente através do Google (2012).

Arrumar

“O sucesso é difícil de medir, mas o nosso fórum tem sido regularmente elogiado por seu alto nível incomum de civilidade”

O Presseurop usa a “moderação automatizada” inspirada pela geografia urbana. A investigação tem repetidamente mostrado que os cidadãos tratam melhor os espaços públicos quando esses espaços já são bem tratados. Aplicando esta observação para discussão online, o nosso motor de comentários dispõe de uma série de filtros para garantir que esses comentários aparecem de maneira apresentável e séria. O sucesso é difícil de medir, mas o nosso fórum tem sido constantemente elogiado pelo seu alto e invulgar nível de civilidade.

Infelizmente, os filtros automáticos provaram ser impraticáveis quando se trata de lidar com linguagem intraduzível – um flagelo, sobretudo, quando a tradução é feita por máquinas. Por isso, corrigir erros ortográficos e gramaticais é o género de moderação que fazemos, mas certamente o menos desafiante de todos.

Moderação 101

Tal como todos os outros fóruns online, também nós tivemos de enfrentar três desafios de moderação: insulto ou provocação, difamação e discurso do ódio. Para dizer a verdade, nenhum deles foi um grande problema, dada a excecional boa vontade e consideração da comunidade do Presseurop.

O insulto ou a provocação envenenam a atmosfera, levam os membros mais sensatos da comunidade a saírem e desencoraja outros a entrarem. Nunca hesitámos em rejeitar ou cortar comentários especialmente insultuosos (e houve alguns), mas as dificuldades surgem nos casos limites. Estes incluem:

  • slogans e invetivas – frases que incluem palavras como “criminoso”, “coração a sangrar”, “fanático”, “louco”, “UERSS”, “bancster”, “ditador”

  • referências Godwinescas a ideologias e políticos da década de 1930

Raramente apagámos ou cortámos comentários contendo provocações ocas deste género, mas lançámos educadamente avisos muitas vezes. De uma maneira geral, pedimos aos leitores para se “aterem aos factos e ao tópico” – evitando assim recriminações sobre a própria natureza do insulto ou da provocação.

A difamação é um problema mais grave, porque é sancionada pela lei. Em várias ocasiões, fomos acusados de publicar comentários difamatórios, nunca com razão – em parte porque o difamador tem de ser publicamente identificado, o que, geralmente, não é o caso dos nossos comentadores, que usam pseudónimos.

O discurso do ódio, pelo contrário, tem sido um problema ocasional. O Presseurop.eu está alojado em França e, por isso, cai sob a alçada da lei francesa, que é relativamente severa no que diz respeito ao ódio online (e penaliza mesmo os simples insultos). Mas o ódio é manifestamente difícil de definir. Devemos rejeitar um argumento calmamente expresso contra a imigração com base num evidente racismo pseudocientífico e apoiado em estudos sobre os níveis de QI nacionais? Permitimo-lo. E o que dizer da homofobia declarada expressa com base em normas religiosas ou culturais – por exemplo, de um leitor dos Balcãs? Também a permitimos. Os mesmos argumentos mas com linguagem vulgar? Apagamos.

De um modo geral, tentámos pecar por excesso de liberdade de expressão. Isto é sobretudo importante num sítio de Internet cuja audiência tem contextos culturais muito diferentes e até mesmo entendimentos divergentes sobre o que é a própria liberdade de expressão – todos enquadrados por diferentes leis e diferentes histórias.

Desafios difíceis

Na verdade, os desafios mais intrincáveis à moderação são bem menos óbvios. São todos problemas insidiosos dos fóruns online e não há soluções óbvias.

Os mal-entendidos são uma armadilha clássica de qualquer discussão:

— Nunca defendi tal coisa. Pode dizer-me onde é que “defendi” isso? Que impertinência!

— Você escreveu: “já chega”. Eu tenho o direito de me expressar e nunca o mandei calar-se.

— Dê a sua opinião, por favor. Vamos lá, seja feliz e menos amargo.

— Estou muito satisfeito e nada amargo. Você está muito ácido e limita-se a dizer banalidades insultuosas.

Neste caso (real), uma discussão até aí civilizada, a comunicação foi quebrada por causa de um acumular de mal-entendidos. Sem contacto visual e sem linguagem corporal pode ser muito difícil manter uma conversa sem descarrilar, como aconteceu neste caso. Um dos membros mais assíduos do fórum lida com este assunto assinando quase sempre os seus comentários com um ‘smile’. Não é uma solução perfeita mas pode ter um certo efeito profilático. 🙂

O negativismo e o cinismo são igualmente difíceis de moderar, uma vez que não se trata exatamente de um ultraje. Mas o seu efeito é arrastar o debate para muito baixo:

Democracia europeia? Deve estar a gozar!

Este comentário, deixado num artigo sobre o Parlamento Europeu, não admite resposta e não leva a lado nenhum. Tenha sido dito contra os políticos (de Bruxelas ou não), as elites e a sua “propaganda”, os banqueiros, os jornalistas, ou até mesmo os cientistas, o resultado é o mesmo – baixar o nível, para desencorajar contribuições com ideias mais sofisticadas e, em última análise, para levar a discussão para um beco sem saída. Em geral, respondemos com a tática do gancho, pedindo aos leitores que apoiem as suas afirmações em factos documentados.

“Não temos meios para verificar os factos de todas as afirmações, mas pedimos frequentemente aos nossos leitores que os justifiquem”

A desinformação não tem lugar num sítio de notícias sério e, no entanto, é um problema inevitável nas discussões informais online. Não temos meios para verificar os factos de todas as afirmações, mas pedimos frequentemente aos nossos leitores que os justifiquem. Algumas questões, no entanto, destacam-se por causa da sua problemática particular:

É difícil justificar o aquecimento “global” quando, em anos recentes e um pouco por todo o mundo, têm sido quebrados os recordes das temperaturas negativas. Isto é, quase de certeza, uma mentira factual. A negação do aquecimento global antropogénico parece um candidato especialmente bom para a moderação por várias razões:

  • é, em parte, o resultado de uma deliberada campanha de desinformação levada a cabo por poderosos interesses, de que nenhum órgão de informação deve ser cúmplice

  • a complexidade da ciência torna a alegação quase impossível de falsificar por não-especialistas (dos quais nenhum se encontra entre os nossos colaboradores)

  • o efeito é o de inviabilizar a discussão para que o tema do artigo – como pretendido pelo autor – não seja sequer debatido

São muitos os que aceitam a rejeição de comentários de leitores que negam ou desvalorizam o Holocausto. Mas alguns meios noticiosos – um exemplo notável é o do LA Times – têm essa política quando se trata de negar o aquecimento global, apesar das potenciais consequências de desinformação. Quanto a nós, limitámo-nos a “avisos saudáveis” aos comentários individuais.

A desproporcionalidade de pontos de vista é um perigo enfrentado em todos os fóruns de discussão. Nos debates políticos televisivos, os intervenientes são convidados proporcionalmente à popularidade dos pontos de vista que representam. Em ambientes menos formais, como é o caso do nosso sítio, tal controlo não é possível. Há, por isso, o risco de algumas opiniões esmagarem as outras. A situação é ainda mais complicada no Presseurop, por causa da nossa necessidade não só de equilibrar pontos de vista e atitudes políticas divergentes em relação à integração europeia, como também as múltiplas línguas e nacionalidades.

“Inevitavelmente, por isso, alguns pontos de vista foram sub-representados no fórum do Presseurop”

Em termos absolutos raramente alcançámos esse delicado equilíbrio, mas houve alguns êxitos. Por exemplo, os dez primeiros comentários ao recente artigo de Martin Schulz foram escritos em nove traduções diferentes desse mesmo texto. Inevitavelmente, por isso, alguns pontos de vista foram sub-representados no fórum do Presseurop. As apreciações são subjetivas, mas os candidatos podem incluir:

  • vozes de centro-esquerda do Norte da Europa

  • partidários da fiscalidade dos países atingidos pela crise

*moderados, centristas e euro-agnósticos de todos os países

  • opiniões da Europa Central e de Leste, da Escandinávia e dos Balcãs

Um certo utilizador do fórum, invariavelmente educado e inabalavelmente constante na sua condenação da integração económica da UE, escreveu mais de seis mil comentários, incluindo 31 dos 81 referentes a um único artigo. Por outro lado, nos 120 comentários a uma breve recente sobre política monetária há um relativo equilíbrio – 20 podem ser interpretados como pró-austeridade, 17 como anti-austeridade, e um punhado a condenar em absoluto a simples existência da moeda única. (Os restantes não dizem respeito ao tema mas incluem uma interessante discussão sobre fontes de notícias europeias).

Tal como os outros desafios, também a desproporcionalidade de pontos de vista é, de certa maneira, inevitável em qualquer fórum online. Mas apesar de as opiniões terem uma distribuição desigual, ouvi-las pode sempre ser benéfico. Tal como um dia escreveu um especialmente sensato membro italiano do fórum a um utilizador alemão particularmente frontal:

Os seus últimos comentários são muito valiosos e acredito que podem convencer pessoas tanto do Norte como do Sul da Europa. Este fórum pode ser uma oportunidade para que todos os leitores que nele participam aprendam.

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