Pânico na zona euro

Nunca, desde a crise grega da última primavera, um país pareceu tão vulnerável face aos mercados. Enquanto se perfila um plano de salvamento da Irlanda, a imprensa europeia preocupa-se com as consequências para os outros membros da UE.

Publicado em 12 Novembro 2010 às 16:49

“Irlanda a caminho de uma nova crise financeira”, anuncia o Frankfurter Runsdschau. E, todos os dias, a sorte da economia irlandesa, enfraquecida pela dívida e pelas taxas de juro cada vez mais altas, parece mais alarmante para o conjunto da zona euro. “O desolador coro do II ato da crise do euro foi entoado por Wolfgang Schäuble”, escreve o Berliner Zeitung.

O ministro das Finanças alemão pede que, no futuro, os detentores de obrigações as assumam quando um Estado membro da zona euro tiver de ser salvo pelos outros. “Para os investidores, é uma melodia nova”, comenta o diário. “Até agora, supunha-se que a zona euro resgataria os seus membros. [...] Agora que pensam ter de assumir um risco, exigem juros mais elevados.” O jornal cita um membro da direção do Banco Central Europeu (BCE), que afirma que “os planos alemães levaram, inevitavelmente, a ataques especulativos que reforçaram a crise”.

“A subida das taxas de juro podem conduzir a Irlanda e Portugal a pedirem a ajuda europeia”, constata o Diário de Notícias, de Lisboa. “A UE prepara-se para ajudar a Irlanda cujos juros da dívida ultrapassaram os 9%. Portugal pode ser o próximo a precisar de ajuda, a não ser que os mercados se acalmem.” Para Portugal, “a possibilidade de escapar a um tal pedido diminui todos os dias”, a menos que a perceção do risco, pelos mercados, mude, prevê o economista António Nogueira Leite, citado pelo diário. “A UE diz-se pronta para salvar a Irlanda”, garante, por seu lado, La Vanguardia, que acrescenta que “a Espanha atingiu o seu risco máximo”.

Em Seul, durante a reunião do G20, Durão Barroso declarou que está tudo pronto para o salvamento da Irlanda “em caso de necessidade”, mas as declarações do presidente da Comissão Europeia, que pretendiam acalmar os mercados, “desencadearam novas especulações”. O diário sublinha que a inquietação foi reforçada “pelo ‘blackout’ de informação instalado em Bruxelas, que lembra os dias que precederam o salvamento grego” em maio passado. A diferença, hoje, é que a zona euro dispõe de um mecanismo europeu de estabilidade financeira, acrescenta La Vanguardia.

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Para conter a crise, a opção mais credível seria “a França e a Alemanha voltarem a dar confiança aos investidores”, afirma Virginia Romero, da sociedade de investimentos Ahorro Capital, que sublinha, assim, que em caso de salvamento da Irlanda, a situação seria pior do que a criada pelo salvamento grego, em maio, porque “passávamos da exceção à generalização”. O grande temor seria, por isso, “uma contaminação generalizada, mesmo para além dos países periféricos”, conclui La Vanguardia.

“Tudo isto é um grande mal entendido”, garante o Financial Times Deutschland. O diário económico considera que “a política e os investidores agem segundo os seus hábitos – não gerem bem”. Porque se a política, sobretudo europeia, rasteja ao sabor dos compromissos e das maiorias, a finança, por seu lado, quer rapidez e bases sólidas para tomar decisões. “Na última primavera, a Europa experimentou dolorosamente aquilo a que nos pode levar quando esses dois princípios incompatíveis se encontram”. A crise grega foi, então, transformada em crise do euro por erro de uma política demasiado lenta. Daí o apelo da primeira página do FTD: “Agora, despachem-se!”

Em Dublin, o tempo parece estar ainda mais contado. “O Estado irlandês é insolvente: as suas dívidas ultrapassam de longe todos os meios realistas de pagamento”, escrevia no início da semana o economista Morgan Kelly, num artigo publicado no Irish Times, que continua a provocar muitas reações na Irlanda. É uma tragédia em dois atos, explicou. O primeiro foi o plano de salvamento dos bancos tóxicos, com 70 mil milhões de euros, para o qual “irá cada cêntimo dos vossos impostos durante os próximos dois ou três anos”. O próximo será uma crise do crédito imobiliário, cujos sintomas já são visíveis. “As pessoas vão mais longe; não pagam as suas contas e pedem emprestado aos pais para poderem pagar os seus empréstimos.”

E durante esse tempo, ironiza Morgan Kelly, “os mercados prestam homenagem à gestão calma e resoluta da crise pelo Governo e pelo Banco Central, colocando a dívida irlandesa no mesmo grupo de países em risco como a Ucrânia e o Paquistão, dois pontos acima do ‘lixo’ da Argentina, da Grécia e da Venezuela”. “Desde setembro, uma equipa permanente de ‘observadores’ do BCE instalou-se no Ministério das Finanças”, revela ainda o economista. “Apesar de ser composta por altos funcionários de várias nacionalidades, chamamos-lhes ‘os alemães’.” Reagindo a esta espécie de tutelagem, o diário checo Lidové noviny preocupa-se com a redefinição da expressão “solidariedade europeia”, em que “os contribuintes irlandeses são condenados a trabalhar duramente e sacrificados à visão única, franco-alemã, da política monetária europeia”.

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